Foto cortesia AP Photo/Polícia da Áustria (em inglês)
TA sala em que Natascha Kampusch viveu dos 10 aos 18 anos

Aos 10 anos, Natascha Kampusch desapareceu a caminho da escola, na Áustria, em 1998. Em 2006, aos 18 anos, ela reapareceu em um jardim de Viena depois de escapar da casa de seu raptor aproveitando um momento de distração. Em uma declaração à mídia, lida pelo psiquiatra que a está tratando, Kampusch afirmou o seguinte sobre os oito anos que passou trancafiada em uma cela abaixo do porão do homem que a seqüestrou; "Minha juventude foi bastante diferente. Mas também evitei diversas coisas - não comecei a fumar ou beber, ou a andar em más companhias". De acordo com a opinião da maioria dos especialistas, Kampusch está traumatizada e parece estar sofrendo de síndrome de Estocolmo.
As pessoas que sofrem de síndrome de Estocolmo terminam por se identificar e até mesmo por gostar daqueles que os seqüestram, em um gesto desesperado e em geral inconsciente de preservação pessoal. O problema costuma surgir na maioria das situações psicologicamente traumáticas, como casos que envolvem seqüestro ou tomada de reféns, e em geral esses efeitos não se encerram com o final da crise. Na maioria dos casos clássicos, as vítimas continuam a defender e a gostar de seus raptores mesmo depois de escapar do cativeiro. Sintomas da síndrome de Estocolmo também foram identificados no relacionamento entre senhor e escravo, em casos de cônjuges agredidos e em membros de cultos destrutivos.




Esta foto foi tirada pela polícia de Estocolmo com uma câmera inserida por uma perfuração no topo do principal cofre do banco sueco Kreditbanken. O homem de barba, à direita, é o raptor Jan Erik Olsson

Muita gente faz idéia razoável do significado do termo síndrome de Estocolmo tomando por base sua origem. Em 1973, dois homens invadiram o Kreditbanken em Estocolmo, Suécia, com a intenção de roubá-lo. Quando a polícia chegou ao local, os assaltantes trocaram tiros com os policiais, e em seguida fizeram reféns. A situação perdurou por seis dias, com os dois assaltantes armados mantendo quatro reféns em um cofre do banco, durante parte do tempo com explosivos presos ao corpo e em outros momentos com cordas em torno dos pescoços. Quando a polícia tentou resgatar os reféns, foi impedida por eles mesmos; os reféns repeliram o ataque dos policiais, e atribuíram a culpa pela situação à polícia e não aos raptores. Um dos reféns libertados criou um fundo para cobrir os custos da defesa judicial dos raptores. Assim nasceu a "síndrome de Estocolmo", e psicólogos de todas as partes do mundo passaram a dispor de um termo para definir esse clássico fenômeno do relacionamento entre raptor e prisioneiro.
A fim de que a síndrome de Estocolmo possa ocorrer em qualquer situação, pelo menos três traços devem estar presentes:
  • uma relação de severo desequilíbrio de poder na qual o raptor dita aquilo que o prisioneiro pode e não pode fazer;
  • a ameaça de morte ou danos físicos ao prisioneiros por parte do raptor;
  • um instinto de autopreservação de parte do prisioneiro.
Parte desses traços é a crença (correta ou incorreta) do prisioneiro quanto à impossibilidade de fuga, o que significa que a sobrevivência precisa ocorrer nos termos das regras impostas pelo raptor todo-poderoso; e o isolamento do prisioneiro com relação a pessoas não cativas, o que impede que a visão externa quanto aos seqüestradores interfira com os processos psicológicos que geram a síndrome de Estocolmo. Da maneira mais básica e generalizada, o processo, tal qual visto em uma situação de seqüestro ou reféns, transcorre mais ou menos assim:
  1. em um evento traumático e extraordinariamente estressante, uma pessoa se vê prisioneira de um homem que a ameaça de morte caso desobedeça. A pessoa pode sofrer abusos - físicos, sexuais e/ou verbais - e enfrentar dificuldade para pensar direito. De acordo com o raptor, escapar é impossível. A pessoa terminará morta. Sua família também pode morrer. A única chance de sobreviver é a obediência;
  2. com o passar do tempo, a obediência, por si, pode se tornar algo menos seguro - já que o raptor também sofre estresse, e uma mudança em seu humor poderia representar conseqüências desagradáveis para o prisioneiro. Compreender o que poderia deflagrar atos de violência de parte do raptor, para evitar esse tipo de atitude, se torna uma segunda estratégia de sobrevivência. Com isso, a pessoa aprende a conhecer quem a capturou;
  3. um simples gesto de gentileza de parte do raptor, que pode se limitar simplesmente ao fato de ainda não ter matado o prisioneiro, posiciona o raptor como salvador do prisioneiro, como alguém "em última análise bom", para mencionar a famosa caracterização, pela jovem Anne Frank, dos nazistas que por fim a levaram à morte. Nas circunstâncias traumáticas e ameaçadoras que o prisioneiro enfrenta, o menor gesto de gentileza - ou a súbita ausência de violência - parece um ato de amizade em um mundo de outra forma hostil e aterrorizante, e o prisioneiro se apega a ele com grande fervor;
  4. o raptor lentamente começa a parecer menos ameaçador - mais um instrumento de sobrevivência e proteção do que de dano. O prisioneiro sofre daquilo que alguns definem como uma ilusão auto-imposta: a fim de sobreviver psicológica, além de fisicamente, e a fim de reduzir o inimaginável estresse de sua situação, o prisioneiro vem a acreditar verdadeiramente que o raptor é seu amigo, que não o matará, e que de fato ambos podem se ajudar mutuamente a "sair dessa encrenca". As pessoas do lado de fora que se esforçam por resgatar o prisioneiro parecem-lhe menos aliados, porque querem ferir a pessoa que o protege contra todos os males. O fato de que a pessoa em questão seja ela mesma a potencial origem desses males termina ignorada em meio ao processo de auto-ilusão.
Se você leu o artigo Como funciona a lavagem cerebral, já deve ter percebido as semelhanças entre lavagem cerebral e a síndrome de Estocolmo. As duas práticas são de fato extremamente próximas, como efeitos de relacionamentos de poder anormais. No caso de Patty Hearst, herdeira de um grupo editorial norte-americano seqüestrada no começo dos anos 70 pelo grupo político extremista Exército Simbionês da Libertação (SLA), os especialistas apontam tanto para síndrome de Estocolmo quanto para lavagem cerebral, como causa de suas ações subseqüentes. Depois de passar semanas trancada em um armário e de sofrer abusos severos, ela aderiu ao SLA, mudou de nome e se tornou membro do grupo. Terminou capturada com os demais, em uma tentativa de assalto a banco. No entanto, assim que a polícia deteve os demais membros e Patty foi devolvida à sua família, ela reverteu sua posição. Em lugar de defender o grupo e rejeitar os policiais, ela se distanciou do SLA e condenou suas ações. É possível que o que Hearst viveu não tenha sido nem lavagem cerebral, nem síndrome de Estocolmo, mas uma série de decisões conscientes cujo objetivo era garantir sua sobrevivência.
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